Escrito por Filipe
Celeti | 03 Outubro 2012
Artigos - Direito
Artigos - Direito
Esta lei me ofende por ser estúpida, mas não fico pedindo a prisão
dos anencéfalos da comissão de justiça do senado por estar ofendido com tamanha
burrice.
Foca-se no bullying, mas indiretamente se criminaliza a palmada,
por exemplo.Punirá, na verdade, os pais e os professores. O efeito
jurídico será a possibilidade de enquadrá-los em mais delitos.
Estamos caminhando para
uma sociedade de perdedores, de maricas, de frangos, em suma, de pequenos
indivíduos medíocres. Cento e doze anos após a morte de Nietzsche, o Brasil
embarca numa cruzada moralizante de rebanho. É espantoso ver como andamos
rapidamente para o matadouro da civilização. Caminhamos para a nossa morte, em
silêncio. Meu tom apocalíptico pode parecer exagero, mas é necessário
para demonstrar o quanto determinadas atitudes estão levando a humanidade ao
seu crepúsculo. A nova lei do bullying é um exemplo disto.
Sob a alcunha de
"intimidação vexatória" o Brasil irá criminalizar o
bullying. Aquele colega de sala de aula chato que todos nós temos ou
tivemos, apaixonado por colocar apelidos e que, devido ao fato de ter menos
vergonha ou ser mais efusivo, sempre ultrapassa um pouco os
"limites", será criminalizado pelo simples fato de ser
chato. Estamos decretando o fim do humor, da piada, da risada e da
diversão que é capaz de mudar a nossa rotina.
Obviamente que a lei não é
tão simplista quanto o exemplo do colega praticante do bullying para com os
gordos, portadores de óculos, fanhos etc. A lei proposta é clara em dizer
que o crime é intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender,
castigar, agredir ou segregar criança ou adolescente. A punição será de um
a quatro anos, em caso de condenação. Aqui é preciso dar uma pausa,
respirar e demonstrar a estupidez desta proposta de lei.
A particularização das leis
mais atrapalha do que auxilia. Uma proposta de simplificar o que seria de
fato um crime é defini-lo como coação para com a vida e a propriedade de
terceiros. Neste sentido, agressões físicas, assassinatos, roubos e
furtos são crimes fáceis de identificar, pois a coação para com a vida e
propriedade alheia é evidente. Como podemos identificar o crime de
intimidação vexatória?
Intimidar é obviamente uma
agressão para com a integridade da pessoa, é levá-la pela força a agir ou
deixar de agir de determinada forma. O mesmo ocorre com a ameaça e a
agressão. É fácil identificar que estes três pontos possuem realmente um viés
de coação para com a pessoa. Não é preciso esperar o disparo da arma para agir,
a arma em punho e a clara intenção de atirar, isto é, a ameaça, é passível de
reação perante o agressor. Entendo que os critérios que constituem a
diferença entre uma mera ameaça trivial de uma ameaça real podem ser nebulosos,
por isso o uso do exemplo da arma. O que não faz sentido é que já existem
leis que criminalizam a agressão, a ameaça e a intimidação, não fazendo sentido
mais particularizações.
Não é preciso falar sobre
o assédio sexual, que também já é crime e não precisava constar na lista da
intimidação vexatória.
Os problemas começam com a
criminalização do constrangimento. Como mensuramos o constrangimento? Tudo
o que constrange individualmente uma criança e adolescente deverá ser crime?
Numa sociedade de adultos donos de si mesmo e não meros servos de vontades
alheias faz-se tudo aquilo que não agrida terceiros. Apenas seres pequenos
visam coibir, pela força da lei, que pessoas livres exerçam sua
liberdade. O não constrangimento está muito mais relacionado à
sensibilidade humana em não constranger do que em privação de determinada
atitude em prol de um conceito subjetivo.
Paralelo ao
"crime" de constrangimento está o "crime" da
ofensa. Pessoas fracas se sentem ofendidas. Esta lei me ofende por
ser estúpida, mas não fico pedindo a prisão dos anencéfalos da comissão de
justiça do senado por estar ofendido com tamanha burrice. Ofensas são
combatidas ou são ignoradas num processo de abstração psicológica. Prender por
ofensa é coisa digna de pessoas mentalmente infantilizadas, incapazes de
superar um xingamento. O mundo adulto é repleto de ofensas, calúnias e difamações. Por
este motivo ofendo todos os patéticos asseclas da criminalização destes atos.
Outro ponto complexo é a
definição de castigo. Como criminalizar um castigo? Castigar uma criança
amarrando-a num poste, espancando-a com chicote ou cortando seu corpo são todos
castigos de agressão física, obviamente atitudes condenáveis. Fico
imaginando quantos processos idiotas de adolescentes chatos e pentelhos irão
surgir contra as "punições" recebidas de seus pais. Os políticos
desocupados (desculpem a redundância) ficam criando estes textos inúteis apenas
para daqui algum tempo posarem de benfeitores de "leis da moda". É
óbvio que entra em pauta a velha discussão sobre a palmada. Estou convicto
que há maneiras mais eficazes de disciplinar um filho, como o uso de regras
claras, objetivas e construídas de maneira participativa, com punições
restritivas e diálogo acerca da ação e da punição. Entretanto, criminalizar um
pai que faz o uso da palmada (que é algo bem diferente do agredir por agredir)
é criminalizar a escolha disciplinar. Para os adeptos da discussão sobre
diversidade cultural, que defendem que índios possam matar crianças defeituosas
ou gêmeas, a palmada é uma construção cultural da tradição
judaico-cristã. Neste aspecto, por mais idiota que seja usar a
"varinha", não faz sentido criminalizar o castigo perpetuado pelos
pais para fins disciplinares.
Por último ficou a
segregação. Eis outra palavra-coringa do modismo intelectual brasileiro,
seguindo a estrada aberta pelo multiculturalismo. Segregar é separar,
excluir, não querer manter contato. Agora, as crianças sem amigos podem
acusar os colegas de segregação. Evitamos contato com diversos tipos de
pessoas e por diversos motivos. Existem diversas pessoas que trabalham com
moradores de rua, com sua alimentação, saúde, moradia,
reintegração. Porém, há quem tenha, pelo motivo mais idiota que seja,
certo nojo de estar perto de moradores de ruas. Ignorar crianças que
moram nas ruas e evitá-las é um tipo de segregação. Não faz sentido criminalizar
alguém que não deseja que certa pessoa participe de seu convívio pessoal.
No fundo, o que esta
proposta possui é a insanidade de juntar várias propostas isoladas como a
criminalização da palmada e da separação de pessoas do seu
convívio. Colocaram itens diversos e foram aplaudidos por pedagogos por
criminalizarem o bullying. Os "profissionais" da educação
demonstram serem incapazes de lidar com este fato escolar e ficaram felizes com
a proposta de lei porque a responsabilidade do bom andamento do processo de
ensino-aprendizagem se tornou uma questão jurídica. Não precisarão mais
estudar e aprender a enfrentar situações, pois bastará acionar a justiça para
que o problema seja resolvido. São os perdedores que se alegram quando outros
retiram um pouco de seu fardo.
Para completar a proposta,
se o "criminoso" for menor de idade não será preso, mas cumprirá uma
pena sócio-educativa. Se a prática de bullying ocorre com maior frequência
entre crianças e adolescentes, a lei tem qual finalidade? Os professores
já não tomam, ou pelo menos deveriam tomar, medidas educativas para lidar com a
questão do bullying? Se o debate acerca da intimidação vexatória está
presente nos ambientes escolares, com aprendizados sobre alteridade e
diversidade cultural, a pena proposta é mais do mesmo. Sendo assim, o alvo
desta proposta de lei é criminalizar adultos. Foca-se no bullying, mas
indiretamente se criminaliza a palmada, por exemplo.Punirá, na verdade, os pais
e os professores. O efeito jurídico será a possibilidade de enquadrá-los
em mais delitos.
Portanto, esta proteção
das crianças e adolescentes tem como efeito criar uma geração de incapacitados
em lidar com aqueles que não o aceitam. Serão mimados, não mais pelos pais
frouxos, mas pelo estado e por todo o poder coercitivo que este possui para
criminalizar e punir aqueles de quem os mimados não gostam. Em vez de ensinar a
grandeza do gostar de si e de aprender que no mundo há gente disposta a
humilhar e diminuir terceiros e que é preciso estar blindado para combater este
tipo de gente, estamos ensinando que ser perdedor e psicologicamente abalável é
algo bom. O problema não está em aprender a lidar com os chatos, mas o
problema é a existência dos chatos, que merecem cadeia. Neste tipo de
inversão lógica é que avançamos para a ruína de nossa sociedade. Exaltamos
a incapacidade de enfrentar o mundo, quando deveríamos fazer exatamente o
oposto.
Filipe Celeti é bacharel e licenciado
em Filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestre em Educação,
Arte e História da Cultura pela mesma instituição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário