domingo, 17 de março de 2013

Ser Engenheiro - dúvidas profissionais


Eu não sei para que tu serves!
Nasci em Blumenau e logo a bronquite me pegou. Assim cresci com restrições permanentes (tosse de cachorro), mas, teimoso, sempre brigando pelo meu espaço.  Era época das matinês onde todo domingo trocava, com o apoio da Sônia Maria, gibis na frente do cinema (eventualmente figurinhas). Para fazer de conta que trabalhava  “ajudava” meu pai em sua lojinha, pelo menos dando chance dele tomar um cafezinho no Bar e Café Pinguim. Aventura não faltava pescando, andando de bicicleta, admirando a beleza tropical daqueles tempos do Vale do Itajaí, jogando bola na rua, baralho em casa e eventualmente estudando.
Cheguei aos meus tempos de juventude sem muita preocupação com a vida, era mais um espectador da luta dos meus pais do que um garoto consciente de suas responsabilidades, exceto brigar, brincar, fazer a lição, ir para a escola de bicicleta (não atrapalhar o professor) etc..
O tempo passou e o vestibular foi chegando. Já no segundo ano do científico (ensino médio) um dia meu primo Allan, vindo de Florianópolis, perguntou-me se já tinha estudado estática, cinemática e dinâmica. Olhei para ele intrigado, que bichos eram aqueles?
Minha alienação em relação ao futuro era total, afinal não me destacava em nada, exceto em algumas matérias quando elas me agradavam, assim meu boletim era um ziguezague. Num ano eu ia bem numa disciplina para, no ano seguinte, inverter tudo. O fundamental era gostar. Mas estudava principalmente o que não me agradava na véspera das provas, assim nunca fui reprovado até o primeiro vestibular, sempre passando na tangente (raspando). Quando uma vez no Colégio Santo Antônio veio escrito que naquele mês havia “tirado” o terceiro lugar, fui reclamar, estava errado. Vá que meus pais quisessem que eu ficasse naquele nível...
Um dia, talvez decepcionado ou intrigado com a minha indiferença em relação às profissões, meu pai fez a avaliação ferina, direta: “Não sei para que tu serves”. Respondi com toda a sinceridade: “também não”. Diálogo curto.
Filho mais velho de um eletricista que por sua vez era o primeiro de outro eletricista, não escapei. Fui levado à Itajubá para fazer algum cursinho e me preparar para o ingresso no Instituto Eletrotécnico de Itajubá (IEI – 1963). O cursinho não existia e assim passei dois meses jogando sinuca, andando pela cidade e de vez em quando estudando. Quase passei, fiquei num time de 79 candidatos para 75 vagas na terceira prova, a que melhor dominava. O baralho, contudo, me deixou estressado (perdi de manhã três partidas de canastra real) e assim rodei. Nem a equação da circunferência do círculo fui capaz de me lembrar, ainda que memória sempre foi e continua sendo meu ponto fraquíssimo. Era demais, contudo. Para não enfrentar pais frustrados fui com minha irmã para o Rio de Janeiro onde passamos alguns dias no apartamento de uma tia (Maria) para depois voltar e chegar em casa com o dinheiro zerado e cara lavada...
Meus pais não sossegaram, fizeram economia e me mandaram para São Paulo fazer cursinho. Valeu. Um ano na melhor época da capital paulista indo semanalmente a todos os programas gratuitos que a cidade oferecia e gastando dinheiro comprando coisas que eu descobri que gostava, componentes eletrônicos, alto falantes, traquitanas na Santa Efigênia. Não produzi nada de especial, mas definitivamente me apaixonei pela Física graças aos seus excelentes professores, muito especialmente ao mestre Tore Nils Olof Folmer Johnson, professor e educador que um dia disse em aula a diferença entre uma criança e um adulto: “uma criança deseja, um adulto quer”. Ou seja, era hora de querer alguma coisa da vida. Aos poucos fui descobrindo para quê servia...
Resultado: voltei para Itajubá em 1964 e passei (com certa surpresa) no vestibular, virando Engenheiro Eletricista.
Vocação? É difícil de saber enquanto não chegamos a um nível de compreensão do que realmente queremos, algo difícil para a garotada, mais ainda quando a mídia centra reportagens exaustivas endeusando quem e o quê os patrocinadores querem [i].
No Brasil, a falta de ambientes interativos e motivacionais a favor da Engenharia é um desastre, digo por experiência própria, mais ainda depois de visitar muitos museus na Europa dedicados à Tecnologia (por exemplo: (Postagens sobre o Museu do Transporte coletivo de Londres em outubro de 2012), (Cascaes, Iniciando visita ao Museu Alemão), (Musée des Arts et Métiers - le cnam) e outros). Não é de surpreender que estejamos tão atrasados.
Assim, se alguém perguntar para algum jovem para quê ele serve e ele não souber responder talvez esteja diante de um engenheiro que simplesmente não teve oportunidade de saber o que significa essa profissão.

Cascaes
16.3.2013
Cascaes, J. C. (s.d.). Iniciando visita ao Museu Alemão. Fonte: A formação do Engenheiro e ser Engenheiro: http://aprender-e-ser-engenheiro.blogspot.com.br/2012/10/blog-post_4540.html
Cascaes, J. C. (s.d.). Postagens sobre o Museu do Transporte coletivo de Londres em outubro de 2012. Fonte: O Transporte Coletivo Urbano - Visões e Tecnologia: http://otransportecoletivourbano.blogspot.com.br/
Musée des Arts et Métiers - le cnam. (s.d.). Fonte: http://www.arts-et-metiers.net/







[i] Por exemplo, vendo um dos programas do Jô Soares, nele o apresentador até procurava ridicularizar a profissão (engenharia em eletrônica, se não me engano) do músico com quem falava e se declarava engenheiro. Ao “dono” do programa parecia inadmissível que um grande artista pudesse gostar de uma profissão como esta (Engenharia).
Provavelmente esse indivíduo cuja vaidade não cabe em seu corpo esqueceu grandes artistas e arquitetos da Humanidade, gênios universais, que fizeram muito mais do que belos quadros...

2 comentários:

Augusto Poliquezi disse...

Cascaes, muito bacana a publicação.

Estou há muito tempo querendo conversar contigo, mas ainda não preparei o que quero dizer, além de entregar a cartilha de eficiência energética.

Adorei a história, e até me inspirei a começar a escrever uma.

Um abraço!

Eliana disse...

E você fez a diferença pai! Foi um excelente engenheiro! Orgulho da família! Beijos