Eu não sei para que tu serves!
Nasci em Blumenau e logo a bronquite me pegou. Assim cresci
com restrições permanentes (tosse de cachorro), mas, teimoso, sempre brigando
pelo meu espaço. Era época das matinês
onde todo domingo trocava, com o apoio da Sônia Maria, gibis na frente do cinema
(eventualmente figurinhas). Para fazer de conta que trabalhava “ajudava” meu pai em sua lojinha, pelo menos
dando chance dele tomar um cafezinho no Bar e Café Pinguim. Aventura não
faltava pescando, andando de bicicleta, admirando a beleza tropical daqueles
tempos do Vale do Itajaí, jogando bola na rua, baralho em casa e eventualmente
estudando.
Cheguei aos meus tempos de juventude sem muita preocupação
com a vida, era mais um espectador da luta dos meus pais do que um garoto
consciente de suas responsabilidades, exceto brigar, brincar, fazer a lição, ir
para a escola de bicicleta (não atrapalhar o professor) etc..
O tempo passou e o vestibular foi chegando. Já no segundo
ano do científico (ensino médio) um dia meu primo Allan, vindo de
Florianópolis, perguntou-me se já tinha estudado estática, cinemática e dinâmica.
Olhei para ele intrigado, que bichos eram aqueles?
Minha alienação em relação ao futuro era total, afinal não
me destacava em nada, exceto em algumas matérias quando elas me agradavam,
assim meu boletim era um ziguezague. Num ano eu ia bem numa disciplina para, no
ano seguinte, inverter tudo. O fundamental era gostar. Mas estudava
principalmente o que não me agradava na véspera das provas, assim nunca fui
reprovado até o primeiro vestibular, sempre passando na tangente (raspando).
Quando uma vez no Colégio Santo Antônio veio escrito que naquele mês havia “tirado”
o terceiro lugar, fui reclamar, estava errado. Vá que meus pais quisessem que
eu ficasse naquele nível...
Um dia, talvez decepcionado ou intrigado com a minha
indiferença em relação às profissões, meu pai fez a avaliação ferina, direta: “Não sei
para que tu serves”. Respondi com toda a sinceridade: “também não”. Diálogo
curto.
Filho mais velho de um eletricista que por sua vez era o
primeiro de outro eletricista, não escapei. Fui levado à Itajubá para fazer
algum cursinho e me preparar para o ingresso no Instituto Eletrotécnico de
Itajubá (IEI – 1963). O cursinho não existia e assim passei dois meses jogando
sinuca, andando pela cidade e de vez em quando estudando. Quase passei, fiquei
num time de 79 candidatos para 75 vagas na terceira prova, a que melhor
dominava. O baralho, contudo, me deixou estressado (perdi de manhã três
partidas de canastra real) e assim rodei. Nem a equação da circunferência do
círculo fui capaz de me lembrar, ainda que memória sempre foi e continua sendo
meu ponto fraquíssimo. Era demais, contudo. Para não enfrentar pais frustrados
fui com minha irmã para o Rio de Janeiro onde passamos alguns dias no
apartamento de uma tia (Maria) para depois voltar e chegar em casa com o
dinheiro zerado e cara lavada...
Meus pais não sossegaram, fizeram economia e me mandaram
para São Paulo fazer cursinho. Valeu. Um ano na melhor época da capital
paulista indo semanalmente a todos os programas gratuitos que a cidade oferecia
e gastando dinheiro comprando coisas que eu descobri que gostava, componentes
eletrônicos, alto falantes, traquitanas na Santa Efigênia. Não produzi nada de
especial, mas definitivamente me apaixonei pela Física graças aos seus excelentes
professores, muito especialmente ao mestre Tore Nils Olof Folmer Johnson, professor
e educador que um dia disse em aula a diferença entre uma criança e um adulto:
“uma criança deseja, um adulto quer”. Ou seja, era hora de querer alguma coisa
da vida. Aos poucos fui descobrindo para quê servia...
Resultado: voltei para Itajubá em 1964 e passei (com certa
surpresa) no vestibular, virando Engenheiro Eletricista.
Vocação? É difícil de saber enquanto não chegamos a um nível
de compreensão do que realmente queremos, algo difícil para a garotada, mais
ainda quando a mídia centra reportagens exaustivas endeusando quem e o quê os
patrocinadores querem [i].
No Brasil, a falta de ambientes interativos e motivacionais
a favor da Engenharia é um desastre, digo por experiência própria, mais ainda
depois de visitar muitos museus na Europa dedicados à Tecnologia (por exemplo: (Postagens sobre o Museu do Transporte coletivo de
Londres em outubro de 2012) , (Cascaes, Iniciando visita ao Museu Alemão) , (Musée des
Arts et Métiers - le cnam) e outros). Não é de
surpreender que estejamos tão atrasados.
Assim, se alguém perguntar para algum jovem para quê ele
serve e ele não souber responder talvez esteja diante de um engenheiro que simplesmente
não teve oportunidade de saber o que significa essa profissão.
Cascaes
16.3.2013
Cascaes, J. C. (s.d.). Iniciando visita ao Museu
Alemão. Fonte: A formação do Engenheiro e ser Engenheiro:
http://aprender-e-ser-engenheiro.blogspot.com.br/2012/10/blog-post_4540.html
Cascaes, J. C. (s.d.). Postagens sobre o Museu do
Transporte coletivo de Londres em outubro de 2012. Fonte: O Transporte
Coletivo Urbano - Visões e Tecnologia:
http://otransportecoletivourbano.blogspot.com.br/
[i] Por
exemplo, vendo um dos programas do Jô Soares, nele o apresentador até procurava
ridicularizar a profissão (engenharia em eletrônica, se não me engano) do
músico com quem falava e se declarava engenheiro. Ao “dono” do programa parecia
inadmissível que um grande artista pudesse gostar de uma profissão como esta
(Engenharia).
Provavelmente esse indivíduo cuja vaidade não cabe em
seu corpo esqueceu grandes artistas e arquitetos da Humanidade, gênios
universais, que fizeram muito mais do que belos quadros...
2 comentários:
Cascaes, muito bacana a publicação.
Estou há muito tempo querendo conversar contigo, mas ainda não preparei o que quero dizer, além de entregar a cartilha de eficiência energética.
Adorei a história, e até me inspirei a começar a escrever uma.
Um abraço!
E você fez a diferença pai! Foi um excelente engenheiro! Orgulho da família! Beijos
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